Tudo o que você precisa saber sobre Gordura no Fígado

Ana Beatriz Sacerdote • September 12, 2024

Entenda aqui um pouco mais sobre a gordura no fígado

Geralmente você está deitado numa mesa fria quando chega a notícia. Das palavras do médico radiologista você entende "gordura no fígado". No laudo as palavras esteatose hepática ou "aumento da ecogenicidade hepática". Algo sobre um Grau 3, que não deve ser boa coisa. O gelado do gel na barriga corre pra espinha. Um problema no fígado. Mas eu não estava sentindo nada. Ou estava sentindo tão pouco. O Google não ajuda. Começam a surgir palavras como cirrose e câncer. Medo. É assim que você chega no hepatologista. Sem entender como chegou ali, e como tudo pode mudar. Sem entender se vai precisar de remédios, ou se já é tarde demais. Sem entender porque o seu corpo estava te traindo, de forma tão silenciosa. “Se eu nem bebo tanto, porque você porque isso, logo comigo?


“Meu vizinho/ primo/ tio também tem esteatose”


Pela “popularização” da gordura no fígado (esteatose hepática, para os íntimos), talvez na verdade você não dê tanta importância, já que tanta gente que você conhece tem... mas ninguém gosta de estar doente né? Ninguém gosta de ser relembrado que a máquina (que é nosso corpo) falha. E às vezes sem dar pistas de que isso está acontecendo. Às vezes, achar um problema de saúde, por menor que seja, traz (conscientemente ou não) a lembrança da finitude.

A gordura no fígado é realmente uma doença bem comum. Em média 20% dos adultos têm essa doença. Principalmente hoje em dia. A ultrassom pode ver gordura no fígado em pacientes que consomem bebidas alcoólicas acima de um certo limite, tenham doenças genéticas, usem certos medicamentos, alguns vírus, mas essas são todas causas secundárias, que se tratadas resolvem o problema. A forma que estamos falando aqui e que vem crescendo no mundo é a forma primária, antes chamada de Doença hepática gordurosa não alcoólica, mas que recentemente mudou de nome para DOENÇA HEPÁTICA GORDUROSA ASSOCIADA À DISFUNÇÃO METABÓLICA. Mais abaixo vou falar um pouco dessa mudança de nome. 


A esteatose hepática é uma doença que vem aumentando no mundo todo nos últimos anos, principalmente em países ocidentais, relacionada principalmente a todas as mudanças no estilo de vida das pessoas que surgiram ao longo desses anos. Andar de carro em vez de a pé, mais televisão que atividades físicas, comendo mais pelo sabor que pelo valor nutricional, muito estresse... Principalmente adultos com outros problemas de saúde que são fatores de risco para o surgimento da Gordura no fígado e que também tem a ver com nosso estilo de vida tais como:


  • Diabetes
  • Obesidade
  • Pressão alta
  • Colesterol elevado



O motivo do nome da doença ter mudado de Doença hepática gordurosa não alcoólica para doença hepática gordurosa associada à disfunção metabólica foi justamente para
enfatizar que essas alterações metabólicas estão na raiz do problema. Só dizer que é uma doença não-alcoólica (não causada pelo álcool) não enfatizava isso.


Atualmente para diagnosticar doença hepática gordurosa associada à disfunção metabólica precisamos dos seguintes critérios:


➡️1- Ter pelo menos 1 dos critérios cardiometabólicos abaixo:
Obesidade ou sobrepeso: Índice de Massa Corpórea ≥25 kg/m2  e/ou Circunferência abdominal:≥94 cm em homens ou  ≥80 cm em mulheres

Pré-diabetes ou Diabetes tipo 2

Pré-diabetes: Hemoglobina glicada (HbA1c) 5.7 a 6.4% ou Glicemia de jejum entre 100-125 mg/dl ou teste de tolerância à glicose por via oral (TTGO) após 2h entre 140-199 mg/dl ou

Diabetes tipo 2: HbA1c ≥6.5%ou glicemia de jejum ≥126 mg/dl) ou teste de tolerância à glicose por via oral (TTGO) após 2h ≥200 mg/dl) ou

Já estar em tratamento para diabetes

Triglicerídeos ≥150 mg/dl ou em uso de medicação para colesterol/triglicerídeos

Colesterol HDL ≤39 mg/dl) em homens e ≤50 mg/dl em mulheres ou em uso de medicação para colesterol

Pressão arterial ≥130/85 mmHg ou em uso de medicamento para Pressão alta


➡️2- Avaliação do consumo de álcool:


Em média uma dose de bebida alcoólica (350 ml de cerveja ou 150 ml de vinho ou 45 ml de destilados) têm por volta de 14g de álcool. 

Se o consumo de álcool for menor do que 20g/dia (1-2 doses) para mulheres (140g/ semana ou 10 doses) e menor que 30g/dia (2 doses) para homens (210g/semana ou 15 doses), e o paciente tiver pelo menos um critério cardiometabólico acima, a esteatose é considerada como associada à disfunção metabólica apenas

Se o consumo de álcool for entre 20-50g/dia (2-3doses) para mulheres (140-350g/ semana ou 10-25 doses) e entre 30g-60g/dia (2-4 doses) para homens (210-420g/semana ou 15-30 doses), e o paciente tiver pelo menos 1 critério cardiometabólico acima,  a esteatose é considerada como mista álcool + disfunção metabólica

Se o consumo de álcool for maior do que 50g/dia (3-4 doses) para mulheres (350g/ semana ou 25 doses) e maior que 60g/dia (4-5 doses) para homens (420g/semana ou 30 doses), mesmo que o paciente tenha um critério cardiometabólico acima, a esteatose é considerada como alcoólica.



quantidades de álcool por cada bebida, cerveja, vinho e whisky

"Por que essa gordura se acumula no fígado?"


A gordura no fígado acontece quando ele fica sobrecarregado. O que você come, depois de digerido vai parar no fígado e aí ele decide o que vai fazer com aquilo. Ele produz proteínas que seu corpo precisa, fatores de coagulação, limpa substâncias ruins. E ele pega uma parte daquilo que comemos e transforma em energia, para você usar agora, ou guarda como gordura para que você use como fonte de energia mais tarde. O problema é que a sua alimentação, junto com alterações no seu metabolismo, podem fazer com que o fígado receba uma quantidade de nutrientes maior do que ele consegue organizar. Na falta do que fazer com aquilo, uma parte cada vez maior vai sendo guardada como gordura.

Isso ocorre quando há excessos na alimentação mas também quando algumas doenças ou fatores genéticos atrapalham a forma com que o nosso corpo guarda e utiliza os nutrientes.


É como se o fígado fosse um grande acumulador, ele não consegue jogar esse excesso fora. E aquela gordura que ele acumula esperando que você use como fonte de energia no futuro pode, numa parte das pessoas, causar uma inflamação nele mesmo e começar a atrapalhar o seu funcionamento. E essa inflamação não tratada pode acabar virando uma cicatriz, que a gente chama fibrose. Onde tem cicatriz, não tem célula saudável do fígado trabalhando. 

Com o passar do tempo, mais fibrose significa menos fígado funcionando, até que se desenvolva a cirrose hepática, que é o fígado muito cheio de cicatriz, sem conseguir fazer direito o que ele precisa. Além disso, essa fibrose predispõe ao surgimento de células anormais no fígado, defeituosas, que podem se multiplicar e originar o câncer de fígado. Por isso que talvez nas suas pesquisas sobre gordura no fígado você tenha encontrado as palavras câncer e cirrose.


“Então isso pode se complicar?”


A forma mais prevalente de gordura no fígado tem um termo médico específico, que é Doença Hepática Gordurosa Associada à Disfunção Metabólica (você pode ver por aí a sigla em da abreviação em inglês da doença, MASLD). Esse termo vem do fato de que na biópsia do fígado a gente vê essa gordura, que é igualzinha a gordura causada pelo excesso de álcool. A biópsia sozinha não consegue dizer se a gordura é pelo álcool ou não. Então é através da sua história clínica (cálculo da quantidade de álcool que bebe, doenças associadas) que o hepatologista consegue saber se trata-se de uma coisa ou outra.

Quando surge a inflamação que mencionei acima, a doença passa a se chamar Esteato-Hepatite Associada à Disfunção Metabólica (antigamente chamada NASH, que vem do nome da doença em inglês Non-alcoholic Steatohepatitis e hoje em dia mudou para MASH). O laudo da ultrassom vai continuar mostrando apenas a gordura no fígado. Não vê diferença entre a gordura e a esteato-hepatite. Mas o nome do diagnóstico muda para Hepatite porque esse é o termo usado quando há inflamação no fígado. Atualmente a MASH é a segunda causa mundial de transplante de fígado (a primeira ainda é o álcool) e estima-se que vá se tornar a primeira em alguns anos.


Se a gordura no fígado não recebe a devida atenção no início, ela pode evoluir ao longo do tempo para a MASH. E irem surgindo as outras alterações que falamos, cirrose e câncer de fígado.


Importante salientar que a simples presença da Gordura no fígado já é um fator de risco para outras doenças, principalmente doenças cardiovasculares, como infarto. Pacientes com gordura no fígado têm maior chance de ter problemas cardíacos, mesmo na ausência de outros fatores de risco como pressão alta ou diabetes.


A gordura no fígado sinaliza que algo está errado, mas não quer dizer que necessariamente quem tem vai ter cirrose. Isso depende de um monte de outros fatores de risco, predisposição genética, entre outras coisas.


"Mas eu não sinto nada e meus exames são normais!"


Geralmente a Gordura no Fígado é uma doença silenciosa. Muitos pacientes não sentem nada e descobrem o exame durante uma ultrassonografia de rotina mostrando a esteatose. Alguns sentem um pouco de incômodo no abdome, na região onde se localiza o fígado, mas nem sempre essa queixa acontece, e por ser inespecífico pode até ter a ver com outras doenças.


Os exames do fígado (AST/TGO e ALT/TGP) principalmente), podem estar normais ou alterados tanto na Gordura do fígado simples quanto na MASH. Por isso não podemos usar esses exames isoladamente para avaliar como está a doença e nem eles estarem alterados significa maior ou menor gravidade da doença. Existem escores que fazemos na consulta que indicam melhor se há risco ou não de já haver fibrose no fígado. Por vezes a Gama GT (GGT) e a Ferritina podem estar alteradas, mas isoladamente isso também não é indicativo de mais doença mais grave.


“E o grau de esteatose hepática que aparece na ultrassom?”


No seu exame podem aparecer termos que parecem ter a ver com a gravidade da doença, como esteatose hepática severa, moderada, leve. Na verdade essa avaliação da ultrassom tem a ver apenas com o aspecto da imagem, mas ela não é capaz de dizer se há inflamação ou não. Você pode ter uma gordura no fígado leve na ultrassom e ter muita inflamação e vice-versa, apenas quando você chegar na consulta e fizer os exames que eu pedir que eu poderemos saber melhor sobre a presença de inflamação e fibrose. Mas isso não tira a importância da ultrassom, ela vai ser usada de tempos em tempos para monitorar o fígado, pois ela consegue ver a presença de cirrose e câncer.


Mas a ultrassom pode ajudar quando é usada para fazer uma avaliação a mais, com um exame chamado ELASTOGRAFIA. A elastografia consegue ver se há presença dessas cicatrizes de fibrose no fígado. Ela pode ser feita também por ressonância magnética. Além disso, esses dois exames podem ser capazes de MEDIR o percentual de gordura no fígado de forma mais acurada. Mas não é em toda ultrassom que isso é feito, deve ser pedido especificamente e feito por médicos que saibam realizar essa avaliação.


Quando você marca sua consulta e chega no meu consultório com gordura no fígado, a gente analisa juntos esses fatores, mas não existe um exame único que diga se você vai piorar ou não. Baseado em vários critérios e nos seus outros problemas de saúde existem certas “fórmulas” que tentam prever as chances dessa piora, mas mesmo esses cálculos que a medicina criou, às vezes dão resultado “indeterminado” e só o tempo e o compromisso com o tratamento vão indicado melhor caminho.


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